Violência e autoritarismo na literatura testemunhal de Bernardo Kucinski
Nome: WEVERSON DADALTO
Data de publicação: 03/08/2023
Banca:
Nome | Papel |
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FABIOLA SIMAO PADILHA TREFZGER | Presidente |
JAIME GINZBURG | Examinador Externo |
MARIA ZILDA CURY | Examinador Externo |
NELSON MARTINELLI FILHO | Examinador Interno |
WILBERTH CLAYTHON FERREIRA SALGUEIRO | Examinador Interno |
Resumo: O conjunto da obra de Bernardo Kucinski testemunha o autoritarismo do regime militar (1964- 1985) como uma manifestação paradigmática da barbárie que persiste na sociedade brasileira, a qual é fundada e mantida pela violência. O desenvolvimento da análise de romances e contos do autor, que constitui o principal objetivo desta tese, sugere a associação entre o horror da ditadura e as catástrofes disseminadas no mundo moderno, que são inseparáveis de ordenações político-econômicas desumanizadoras e que foram levadas ao extremo no terror indizível do Holocausto. A partir da década de 1970, Kucinski produz vasta bibliografia não literária dedicada principalmente à denúncia dos crimes do Estado, à política, à economia e ao jornalismo. Esta pesquisa introduz os livros mais representativos dessa fase, que fornecem elementos teórico-críticos e historiográficos para o exame de sua literatura posterior. Kucinski estreia na ficção publicando o folhetim Mataram o presidente (2010). Seu principal romance, K. (2011), é objeto de notáveis estudos críticos. Até o lançamento de O congresso dos desaparecidos (2023), a intensa dedicação do escritor à atividade literária resulta na publicação de doze títulos. O comentário de cada uma dessas obras ficcionais, proposto nesta investigação, identifica as principais marcas do conjunto e ressalta aspectos relacionados ao testemunho de vítimas da repressão. A seguir, tais leituras remetem à discussão teórica sobre as delimitações instáveis dos conceitos de violência e de autoritarismo. Contribuem para o debate certas proposições de Walter Benjamin e estudos de filósofos que, com posicionamentos distintos ou até divergentes, buscam compreender esses problemas, entre os quais se destacam Hannah Arendt, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, Slavoj Žižek, Byung-Chul Han, Judith Butler e Theodor Adorno. Argumentos desses pensadores são posteriormente retomados, nesta pesquisa, para a análise particular de relatos ficcionais selecionados, a qual mostra que Kucinski resiste ao esquecimento dos efeitos inenarráveis do totalitarismo nazista e do intenso antissemitismo na Polônia na época da Segunda Guerra Mundial. Os textos analisados apresentam o sofrimento inexprimível de sobreviventes da catástrofe a partir da perspectiva de imigrantes judeus refugiados no Brasil. A compreensão dessa face da produção kucinskiana encontra fundamentos teóricos e historiográficos em pesquisas de Paul Ricoeur, Marianne Hirsch, Nachman Falbel e Regina Igel, entre outros. Por fim, esta tese demonstra que a escrita de Kucinski, ao relacionar a ditadura no Brasil a outros eventos violentos, assume atitude solidária ao testemunho das vítimas e denuncia a permanência do autoritarismo em períodos supostamente democráticos. A necessidade de elaboração da memória e a impossibilidade de representação de experiências traumáticas demandam a superação de formas narrativas convencionais e a tematização de impasses éticos e estéticos enfrentados pela testemunha. Nesse sentido, estudos de críticos literários como Márcio Seligmann-Silva e Jaime Ginzburg, por exemplo, são pertinentes para a interpretação da ficção kucinskiana. A recepção politicamente comprometida da literatura testemunhal de Kucinski mobiliza os estudos literários para a participação na elaboração do passado e para a resistência ao autoritarismo que persiste na contemporaneidade.